35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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São Paulo
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2023
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Vista da obra O samba do crioulo doido, de Luiz de Abreu, na 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Luiz de Abreu

A investigação em dança e em performance conduzida por Luiz de Abreu presentifica o corpo negro em estado de denúncia. Os vídeos que compõem sua participação na 35 a Bienal constituem documentos do Brasil entre meados dos anos 1990 e meados dos anos 2000. Neles, o artista enfrenta a experiência de um racismo que resistia à elaboração coletiva e institucional, mas com pungentes efeitos de subjugação racial em níveis econômicos, sociopolíticos e subjetivos. As coreografias presumidas para pessoas negras no contexto do mito da democracia racial são exploradas no trabalho do artista, que entrega seu corpo para responder aos estereótipos que surgem e confinam o repertório simbólico esperado para as artes negras. O país é a presença que sustenta e conforma as cenas, seja como pano de fundo do cenário em Black Fashion [Moda negra] (2006), como bandeira que veste o palco e o artista em Samba do crioulo doido (2004), ou mediante temas clássicos da brasilidade que compõem a trilha sonora das obras. Mas, afinal, como dança um corpo negro? E que efeitos e afetos uma pergunta elaborada nesses termos é capaz (ou não) de gerar? Embora o artista relate que não cria com base em gêneros1,  o riso branco, cisgênero e perverso da plateia afirma comédia, uma vez que é acionado em cenas que poderiam causar profundo desconforto caso o público fosse capaz de reconhecer a tragédia vivida pela negritude. O riso do performer, ao contrário, entra e sai de cena demonstrando a marca – ção coreográfica; trata-se de uma alegria que revela sua artificialidade, porque é decomposta enquanto gesto, assim como todas as qua – lidades e movimentos atribuídos ao corpo negro o são. Em Autópsia (1997), o espaço do riso se fecha. Na insuportável reprodução do horror dos relatos de violência narrados em off, abre um espaço gregário para solidariedade e para o ritual, retornando, talvez, à memória de uma dimensão litúrgica que sua dança, sem dúvida contemporânea, apreendeu desde os terreiros de umbanda. 

cíntia guedes

1. Conforme entrevista concedida à Rádio França Internacional Brasil, no programa RFI Convida Luiz de Abreu, em 13 mar. 2020. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=g0ALs1c – TW0Q&ab_channel=RFIBrasil. Acesso em: 18 maio, 2023.

Luiz de Abreu (Araguari, MG, Brasil – 1963. Vive em Salvador, BA, Brasil) começou a dançar em meados dos anos 1960 no terreiro de umbanda levado pelas mãos de sua avó. Aos dezesseis ingressou para academias e grupos amadores de dança. Formou-se em dança na Faculdade Angel Vianna, no Rio de Janeiro e fez mestrado pela Universidade Federal de Uberlândia. Trabalhou em diferentes companhias de Belo Horizonte e, em meados dos anos 1990, iniciou carreira solo em São Paulo. Há mais de quarenta anos desenvolve um trabalho de dança que lida com as questões de cor, raça e gênero. Seu trabalho mais conhecido é Samba do crioulo doido, que atualmente faz parte da coleção permanente do Centre Pompidou (Paris, França). Abreu já se apresentou em países como Alemanha, França, Portugal, Croácia, Cuba, Espanha, Inglaterra, Mali e em diferentes festivais de dança contemporânea do Brasil. Participou da 7ª Bienal do Mercosul (Porto Alegre, RS, Brasil), mostrou o solo Travesti na 1ª Mostra Sesc de Dança (São Paulo, Brasil) e participou da 21ª Bienal Sesc_Videobrasil (São Paulo, Brasil). Atualmente vive em Salvador onde continua desenvolvendo seu trabalho e cursa doutorado em dança pela Universidade Federal da Bahia.