35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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São Paulo
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2023
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Vista de Blackbasebeingbeyond (2023) de Torkwase Dyson na 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Torkwase Dyson

Ao ser perguntado, na edição de março de 1982 da revista de arquitetura Skyline, se “há algum projeto arquitetônico, passado ou presente, que lhe pareça representar forças de libertação ou resistência”, o teórico francês Michel Foucault respondeu: “não importa quão terrível determinado sistema seja, sempre restam possibilidades de resistência, desobediência e de constituição de grupos que se oponham a tal sistema. […] A liberdade é uma prática… a liberdade é o que se deve exercer”. No entanto, o exercício da liberdade compreendido em relação ao espaço, ao tempo e ao ser leva ao entendimento de que a libertação é uma prática espacial. Fundamental para essa compreensão é o questionamento acerca das condições locais e das relações entre poder e espaço, corpo e autonomia, subjetividade e percepção.

A construção da perspectiva europeia baseia-se em um sujeito sob o disfarce do “homem” ideal vitruviano, cujos olhos são a origem de uma linha ao longo do centro de visão, que designa todo o conhecimento a ser compreendido. Além disso, a pintura e o desenho em perspectiva posicionam esse homem ideal num mirante com um ângulo de visão de 60 graus para uma linha do horizonte que existe no infinito. Compreender a prática espacial da libertação desafia a noção de universalismo e do sujeito ideal cujo olhar vigia, objetifica e busca subsumir o mundo à epistemologia e ao colonialismo europeus.

Em seu trabalho que aborda a construção espacial arquitetônica do pensamento composicional Negro, a artista Torkwase Dyson levanta as questões: Qual foi a experiência ocular de pessoas Negras nos porões de tumbeiros? Nos espaços autoemancipatórios do sotão ou do caixote? Ou sob a arquitetura medieval de castelos e fortes escravagistas? Ou sob as condições do capitalismo racial, da escravidão, do imperialismo, da colonização e de todas as formas de terror, invasão e clausura?

Na obra Blackbasebeingbeyond (2023), em referência específica ao Castelo Garcia d’Ávila/Forte Garcia d’Ávila, em Mata de São João, Bahia, Dyson questiona: “Como olhar se tornou algo extraordinário?” Nesse castelo do século XVI, com vistas para o oceano Atlântico e para os engenhos coloniais de cana-de-açúcar onde povos indígenas eram escravizados, e que abrigava uma câmara dupla de tortura, onde pessoas que tentavam fugir da escravização eram presas e submetidas ao terror e à morte por um animal capturado e submetido a um longo período de inanição forçada, Dyson investiga o trabalho ocular de corpos ocultados, obscurecidos, encobertos ou irrastreáveis. As esculturas da artista constituem instrumentos para novas – e ainda desconhecidas – formas de ver e são ferramentas para refletir sobre o “estado de vida” das pessoas que morreram em cativeiro.

mario gooden
traduzido do inglês por bruna barros e jess oliveira

Torkwase Dyson (Chicago, IL, EUA, 1974. Vive em Beacon, NY, EUA) descreve-se como uma pintora que trabalha com várias técnicas para explorar a continuidade entre ecologia, infraestrutura e arquitetura. Examinando a geografia humana e a história das estratégias de libertação espacial negra, as obras abstratas de Dyson lidam com as maneiras pelas quais o espaço é percebido, imaginado e negociado, especialmente pelos corpos negros e pardos. Dyson destilou um vocabulário de formas poéticas para abordar a amplitude da liberdade e questionar que tipos de climas surgem a partir da construção do mundo.