35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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São Paulo
6 set a 10 dez
2023
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Vista de obras de M’barek Bouhchichi durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

M’barek Bouhchichi

A questão da raça é surpreendentemente ausente na produção artística do norte da África. Pelos últimos dez anos, M’barek Bouhchichi vem elaborando formas e métodos para abordá-la. Sua intenção não é tanto confrontar a brutal realidade do racismo antinegritude, mas resgatar a substância e os ritmos da vida negra que, para ele, são principalmente aqueles do trabalho artesanal, em especial no sudeste marroquino: as texturas do que as mãos negras produzem, a textura do tempo passado com famílias artesãs, ouvindo suas palavras, vendo suas reiterações culturais de gestos ancestrais e sua ética de paciência diante da discriminação. 

Para Bouhchichi, esses ceramistas e ferreiros são poetas (no sentido grego do verbo poiein, que significa “fazer”). Eles criativamente moldam a matéria e dão vida nova a ela. Com seu modo tátil de testemunhar uma história de racialização, eles desempenham um papel semelhante ao dos poetas orais Amazighs que, uma geração após a outra, têm registrado a vida de suas comunidades em canções e recitações. A poesia é importante para a prática de Bouhchichi. Ele tem prestado especial atenção a M’barek Ben Zida (1925-1973), poeta-camponês negro que se revoltou contra seu status de parceiro de arrendamento no sul do Marrocos. Bouhchichi coleta as palavras em grande parte esquecidas de Ben Zida e as grava em esculturas. 

Para a Bienal de São Paulo, Bouhchichi une poesia e cerâmica enquanto transpõe lacunas geográficas que mantêm a diáspora africana dispersa. Inspirado pela obra do ceramista estadunidense escravizado David Drake (c. 1800- 1870), ele cria uma série de vasos gravados com versos de poetas negros do norte da África, afro-brasileiros e afro-americanos – como uma partitura para uma dança alternativa de emancipação que elimina as fronteiras nacionais ao encenar debates entre mãos negras de ambos os lados do Atlântico. Com esse trabalho, o artista busca desaprender as hierarquias da arte ocidental, ao mesmo tempo em que aponta para um mundo estruturado, não pela reação à opressão, mas por uma trama ativa e poética de relações entre línguas e geografias. 

omar berrada
traduzido do inglês por mariana nacif mendes

M’barek Bouhchichi (Akka, Marrocos, 1975. Vive em Tahanaout, Marrocos) é bacharel em artes visuais pelo Centre Pédagogique Régional (Rabat, Marrocos), e leciona arte desde meados da década de 1990, primeiro em Tiznit e agora em Tahanaout. Por meio de instalações, pinturas, desenhos e vídeos, seu trabalho abre espaço para existências oprimidas. Ele também arquiva práticas artesanais tradicionais e coloca em primeiro plano o ato de fazer, como uma forma de questionar hierarquias culturais e divisões estabelecidas de trabalho e valor. Seu trabalho foi exibido recentemente em Dak’art (Dakar, Senegal), Savvy Contemporary (Berlim, Alemanha), Centre Pompidou (Paris, França), Mu.Zee (Ostend, Bélgica), Selma Feriani Gallery (Tunis, Tunísia), entre outros.