35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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São Paulo
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Vista de Meditation on Violence [Meditação sobre a violência], de Maya Deren durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Maya Deren

A principal contribuição de Maya Deren (1917-1961) para a coreografia é considerar a própria câmera como parte integrante da realidade dinâmica da dança. A câmera não é apenas um instrumento para registrar um evento cênico diante do qual é colocada, mas para ela mesma dançar em uma estrutura holística. E com a câmera, quem a segura. Maya se interessa pela dança pela sua afinidade com a poesia e sua produção não literal de significado; a fluidez inatingível do movimento é consistente com a ideia do cinema como uma arte do tempo, não da representação. Para ela, a arte é a produção formal de uma realidade e experiência autônomas. Em suas próprias performances, Maya mergulha nessa realidade, que não é dada, mas construída por meio de recursos técnicos com os quais nunca deixa de experimentar: montagem invisível, slow motion, quadros congelados, uso de diferentes lentes, inversão de movimento, dissociação de imagem e som. E é essa dupla experiência, de atuar e fazer, de estar dentro e fora, no trabalho técnico e na criação poética, no mundo material e no transcendente, que se revela em Meditation on Violence [Meditação sobre a violência] (1948). Esse filme é o inverso dos rituais de possessão que tanto a fascinaram (e que ela mesma praticou) no Haiti. Em contraste com esses rituais, a dança mostrada aqui é um exercício de autocontrole, que a câmera compartilha, assumindo a própria gravidade do dançarino, aquela aparente leveza que só é alcançada por meio do treinamento e da inteligência do corpo. O resultado é um filme que pode ser considerado perfeito em sua construção formal. Perfeito em sua precariedade: um conjunto de papel fotográfico e um manuseio hábil da edição nos permitem transcender o plano de Maya e a singularidade de Chao-Li Chi para produzir um movimento circular e infinito, a forma perfeita que contém todas as formas. A despersonalização do dançarino e da câmera é tocada pelo abandono típico dos rituais de posse, mas aqui a violência é contida, silenciada, não para negá-la, mas precisamente para mostrá-la à distância, em sua contiguidade com a beleza e com a vida. O olhar distanciado nos aproxima do divino de uma maneira quase oposta à do corpo em transe: aqui isso é alcançado graças ao trabalho com a matéria (o corpo, o papel, a arquitetura, a flauta, os tambores) e a forma (movimento, velocidade, enquadramento, edição de imagem e som) como meios da dança e do cinema. 

josé antonio sánchez
traduzido do espanhol por ana laura borro

Maya Deren (Kiev, Ucrânia, 1917 – Nova York, EUA, 1961) trabalhou com poesia, dança, coreografia, fotografia e cinema. Após fugir da União Soviética devido a motivos políticos e econômicos, ela se estabeleceu nos Estados Unidos. Deren estudou jornalismo, literatura e obteve um mestrado em literatura inglesa. Suas obras visuais mesclam documentário com elementos surrealistas, frequentemente explorando práticas do vodu no Haiti.