35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
Entrada gratuita
A+
A-
35ª Bienal de
São Paulo
6 set a 10 dez
2023
Menu
Vista de obra de Katherine Dunham durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Katherine Dunham

A trajetória singular de Katherine Dunham (1909-2006) como antropóloga e bailarina permitiu imprimir sentidos outros ao corpo negro, fissurou os clichês e imaginários coloniais sobre danças, corpos e contextos de origem africana e respondeu às contingências de seu momento histórico mais amplo. 

Ao fomentar a conversa entre a antropologia e a dança de modo tanto insuspeito quanto inovador,etnografando danças do Caribe e da América do Sul com um jogo de corpo vigoroso e pioneiro, fez emergir a antropologia da dança como disciplina, e edificou posteriormente uma técnica de dança e uma escola de formação que hoje são legados fundamentais. 

Rigorosa em suas criações e ideias, colocou em relação elementos do balé clássico europeu e as danças rituais caribenhas, construindo uma técnica com linhas, isolamentos e ondulações, além de variedades de tempos e ritmos mais amplos do que as formas de dança de concerto da primeira metade do século 20. Ao apontar semelhanças, deixou igualmente emergirem as diferenças, sem temer as contradições inevitáveis desse movimento, causando surpresa aos olhares eurocêntricos, por demais convencidos da limitação do corpo dos Outros. Em seus espetáculos, acendiam-se narrativas diaspóricas ilustrativas de ritualísticas, dramaticidades, espiritualidades e modos da vida cotidiana que eram catalisadores da experiência comunitária. Sua investida nas realidades caribenhas tornou-se uma maneira de estabelecer laços com a memória e a ancestralidade africanas e de retomar arquivos para recriá-los, à luz de uma percepção que questionava os modos coloniais de ver o mundo negro. 

Sua articulação com a diáspora negra em termos práticos e conceituais foi de tamanha relevância que pode ter antecipado a própria ideia de Atlântico Negro. Dunham vislumbrava a noção de diáspora africana em sua dimensão intercultural e geográfica, mostrando ainda como o modernismo das danças negras contribuiu para o campo mais expandido da dança. 

O trabalho da coreógrafa evidenciava como a dança podia se relacionar às questões que atravessavam a vida social. Em 1950, durante turnê pelo Brasil, sofreu uma ofensa racista no Hotel Alvorada, em São Paulo, que desencadeou intensas discussões no campo das relações raciais, culminando na promulgação da Lei Afonso Arinos no país (Lei n. 1.390/1951), que considerava as práticas racistas como contravenção penal. Cabe ressaltar que nessa mesma época a coreógrafa estabeleceu contato com a bailarina brasileira Mercedes Baptista, que posteriormente ingressaria em sua companhia em Nova York. 

Dunham, através de suas coreografias e de seus movimentos ao redor do mundo, imaginou e fez circular representações sobre o que pode ser o corpo afro-diaspórico, e com isso disseminou um conhecimento próprio e de toda uma comunidade. Sua visão humanista e seu ativismo contribuíram de maneira multidimensional para os campos das artes, da educação e da luta antirracista, entrelaçando esferas artísticas e acadêmicas de modo pertinente e necessário. 

luciane ramos silva

Katherine Dunham (Glen Ellyn, IL, EUA, 1909 – Nova York, EUA, 2006) foi dançarina, coreógrafa, educadora, antropóloga e ativista social afro-americana. Sua coreografia inovadora e o desenvolvimento da Técnica Dunham, uma fusão de estilos de dança africana, caribenha e moderna, destacaram a riqueza e diversidade das tradições da dança negra.