35ª Bienal de São Paulo
6 set a 10 dez 2023
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Vista da obras de Quilombo Cafundó durante a 35ª Bienal de São Paulo – coreografias do impossível © Levi Fanan / Fundação Bienal de São Paulo

Quilombo Cafundó

No dia 20 de novembro de 2009, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decreta o reconhecimento da comunidade Quilombo Cafundó como área de interesse social, mas sua história vem de muito antes, pelo menos desde 1887, quando o casal Joaquim e Ricarda Congo herda as terras do seu senhor depois de ganhar a alforria. Até hoje seus descendentes habitam o território localizado na área rural de Salto de Pirapora, a doze quilômetros do centro de Sorocaba, no estado de São Paulo. 

Seu Otávio Caetano era músico, sanfoneiro de primeira, dono das melhores festas, contador de histórias, responsável por manter e transmitir o dialeto1 para os mais novos. A gente está aqui graças à estratégia do sr. Otávio, grande mestre. Em meados de 1970, quase um século depois de Joaquim e Ricarda, os quilombos da região de Sorocaba começaram a cair. O último a ser extinto foi o do Caxambu, que era um quilombo irmão. E testemunhando esses ataques, o seu Otávio temia que o mesmo acontecesse com o Quilombo Cafundó, que na época tinha diminuído até sete alqueires e meio de terra. E quando essas ações começaram a ficar mais violentas, seu Otávio juntou a sua família e entendeu que a vida do preto não tinha valor. E que, se eles quisessem continuar vivos, precisavam ir atrás de vidas de valor. Então ele vai até o centro sorocabano e começa a cupopiar, isto é, a falar no dialeto, o que chama tanta a atenção, a ponto de o Jornal Cruzeiro do Sul fazer uma reportagem em que afirma que no Cafundó, que na época ainda era um bairro, há um povoado onde se fala uma língua “estranha”. A notícia tem uma grande repercussão, atraindo alguns pesquisadores, antropólogos e linguistas, que vêm até o quilombo e ficam aqui para estudar esse dialeto. E a presença dos acadêmicos dentro do Quilombo Cafundó fez com que os ataques diminuíssem. Aquelas eram as vidas que importavam, que o seu Otávio tanto queria trazer e trouxe para a comunidade. E com essas pessoas brancas e poderosas (orofombe, em cupópia) dentro da comunidade a conversa ficou diferente. 

O sonho do seu Otávio Caetano era saber ler e escrever. Ele morreu sem conseguir isso, mas hoje a gente sabe que ele dominava outros saberes que foram pouco valorizados. Hoje a gente tem a certeza de que ele era um homem muito além do seu tempo. A sua estratégia muito ajudou o Cafundó nesse processo de resistência e sobrevivência.2 

cintia delgado, uma das líderes da comunidade, em conversa com sylvia monasterios

1. A cupópia é uma língua falada no Quilombo Cafundó, em Salto de Pirapora, São Paulo, Brasil. A língua combina a estrutura do português com palavras de origem africana, especialmente do quimbundo.
2. O sr. Otávio também foi quem entrou com um processo de usucapião, que garantiu a permanência dos quilombolas na Gleba A (os 7,5 alqueires que restaram para a comunidade).

Quilombo Cafundó (Salto de Pirapora, SP, 1888) é uma comunidade rural iniciada por Joaquim Congo e Ricarda nas terras que herdaram depois de alforriados, onde tradições culturais africanas são transmitidas de geração em geração até os dias de hoje, como exemplo, a língua falada “cupópia” que possui relação direta com o tronco linguístico banto, proveniente de Angola. Parte de seu território foi tombado como patrimônio por volta de 1985 e em 2009 oficialmente como área demarcada após uma ampla articulação contra a disputa de terras e grilagem na região.